O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) deu um passo significativo em direção à modernização dos processos judiciais com o desenvolvimento do sistema Galileu, uma ferramenta de inteligência artificial (IA) que promete otimizar a produção de minutas de sentenças.
A inovação, concebida em 2023, surgiu a partir de um estudo técnico realizado pela Coordenadoria de Desenvolvimento de Sistemas da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicações (Setic), com o objetivo de identificar tecnologias emergentes aplicáveis à Justiça do Trabalho.
A iniciativa foi, então, integrada como projeto do Laboratório de Inovação do TRT-4 (Linova), e se iniciou o desenvolvimento. O projeto, além de representar um avanço tecnológico, também responde à crescente demanda por maior eficiência nos trâmites judiciais.
O sistema Galileu foi criado para reduzir o volume de tarefas burocráticas enfrentadas pelos magistrados e servidores, no que diz respeito à elaboração de minutas de sentenças. A IA é utilizada para realizar uma leitura automática das petições iniciais e contestações, identificando os pedidos e apresentando resumos e sugestões de subsídios. Com isso, busca-se não apenas agilizar o processo decisório, mas também garantir maior padronização e segurança jurídica na produção das sentenças.
“Identificamos a aplicabilidade da IA generativa para automatizar, mesmo que em parte, a minuta de decisões”, destaca o diretor da Setic, André Farias.
Desde seu desenvolvimento, o sistema vem sendo testado em fases piloto, envolvendo juízes e suas equipes. A fase inicial contou com a participação de quatro magistrados, e agora já se encontra em sua segunda etapa, ampliada para sete juízes. Esses testes têm como objetivo validar a eficiência da ferramenta e preparar o terreno para sua futura implementação em larga escala, prevista para beneficiar todos os magistrados do TRT-RS.
“Estamos focados na validação do produto, ampliando testes para logo termos condições de disponibilizar a todas as juízas e juízes de primeiro grau”, ressalta o juiz auxiliar da Presidência e coordenador do Linova, Rodrigo Trindade. (confira abaixo a entrevista com o juiz Rodrigo Trindade)
Além da aplicação imediata, o Galileu possui grande potencial de expansão. O Tribunal já firmou acordo de cooperação técnica com o Supremo Tribunal Federal (STF)Abre em nova aba, neste ano, para compartilhar o código-fonte do sistema, permitindo que a IA seja adaptada para o contexto de outros tribunais. Esse acordo reflete o compromisso do TRT-RS em contribuir para o avanço do uso de tecnologia no Judiciário brasileiro, projetando um futuro em que ferramentas de inteligência artificial terão papel central na justiça, mas sempre com a supervisão humana.
Saiba mais sobre o Galileu, nesta entrevista com o juiz Rodrigo Trindade:
Informações Gerais
O que é o sistema Galileu e qual sua principal finalidade?
O Galileu é um sistema informatizado que utiliza inteligência artificial para apoiar etapas da produção de sentenças, especialmente sumarizações e pesquisas de subsídios. No atual estágio, destina-se às minutas de sentenças trabalhistas, mas outras funcionalidades estão previstas para desenvolvimento próximo.
Quando o sistema Galileu foi criado e quem foram os responsáveis pelo seu desenvolvimento?
Em julho de 2023, foi formado grupo técnico com o objetivo de estudar a tecnologia de IA generativa e sua aplicação na Justiça do Trabalho. O grupo foi composto por cinco membros da Coordenadoria de Desenvolvimento de Sistemas da Setic: André Farias, Felipe Levin, Frederico Cardoso, Juliano da Silveira e Paulo do Carmo.
O estudo realizado concluiu que a tecnologia de IA generativa era potencialmente adequada para ser utilizada na elaboração de minutas de relatórios de sentenças. Esse estudo foi apresentado ao Comitê de Inovação, que aprovou o início do projeto para o desenvolvimento de um protótipo com essa finalidade, no âmbito do Laboratório de Inovação (Linova), sob a minha coordenação. A partir de então, o Linova foi responsável por organizar a equipe, conduzir os pilotos de teste, produzir manuais, fazer avaliações e validar versões. Todo o trabalho vem sendo conduzido com total apoio da Administração do TRT-RS, especialmente do presidente, desembargador Ricardo Martins Costa.
Quais órgãos ou equipes estão envolvidos no desenvolvimento e implementação do sistema Galileu?
Atualmente, o desenvolvimento do sistema é de responsabilidade do Linova, com apoio da Setic do TRT-RS. Por meio de acordo de cooperação técnica, o Supremo Tribunal Federal acompanha os trabalhos.
O sistema está atualmente em fase de testes. Em que fase piloto ele se encontra?
O sistema está em fase de pilotos, para avaliação de uso por usuários finais. Já foi concluída a primeira etapa com quatro juízes e, atualmente, temos sete magistrados e suas equipes testando o protótipo aperfeiçoado. Espera-se terminar esse segundo piloto em quatro semanas. Depois disso, o protótipo volta para reavaliação técnica e negocial.
Aspectos Técnicos e Funcionais
Como a inteligência artificial é utilizada no sistema Galileu para auxiliar os magistrados?
A IA é empregada para ler linguagem natural de petições iniciais, respostas dos réus e atas de audiências. Também utiliza leitura de dados estruturados do processo. A partir desse conjunto de informações, é capaz de realizar uma série de operações para auxiliar na produção da sentença: apresenta minuta de relatório, sugere esqueleto da sentença com nominação de capítulos, sumariza pretensões e respostas. Por fim, a partir de um banco de dados controlado e integralmente indexado, sugere subsídios potenciais de fundamentação.
Que tipo de tarefas burocráticas o sistema Galileu automatiza?
Sinteticamente, o Galileu foi pensado para a libertação de tarefas repetitivas e burocráticas, especialmente de sumarização de pretensões e defesas, bem como de pesquisas de subsídios. Tradicionalmente, julgadores precisam fazer pesquisas longas, repetitivas e demoradas, em diversas ferramentas informatizadas, procurando subsídios já existentes de fundamentação. O Galileu fornece minuta de relatório, de divisão da sentença, de sumarização dos temas e ainda indica subsídios para fundamentação da sentença, a partir de uma única pesquisa automatizada em banco de dados controlado.
O sistema realiza alguma forma de análise jurídica ou decisão sobre o caso, ou apenas auxilia no processo?
O Galileu não realiza análises jurídicas, não avalia provas, nem toma decisões. Ele apenas gera minutas e apresenta sugestões de subsídios potenciais, que são obrigatoriamente revisadas e avaliadas pelos magistrados, a partir de sua leitura do processo.
Quais são as fontes de subsídios utilizadas pelo Galileu para apoiar o processo decisório?
Para evitar as chamadas alucinações de IA, todas as fontes de subsídios utilizadas pertencem a textos gerenciados e armazenados pelo Pangea e seus módulos: precedentes qualificados pelo Pangea Precedentes, modelos do gabinete do juiz pelo Pangea-Gab e textos da Pesquisa da Secretaria de Recurso de Revista pelo Pangea+.
O sistema permite edição completa das sugestões feitas? Como funciona a revisão humana do conteúdo gerado?
O Galileu não produz partes prontas e acabadas de qualquer etapa da sentença. Conforme orientação da Resolução CNJ 332, de 2020, todos os textos são editáveis e dependem de revisão humana. O magistrado, portanto, sempre é responsável por validar, adaptar ou rejeitar as sugestões apresentadas.
Desenvolvimento e Inovação
Qual foi o principal motivo que levou o TRT-RS a desenvolver o sistema Galileu?
Para seguir atendendo seus compromissos com a sociedade, o Tribunal viu a necessidade de melhor responder às demandas por celeridade, organização e racionalização do trabalho. Também compreendeu que o uso de IA para a atividade judiciária deve passar por ferramentas internamente desenvolvidas, validadas e seguras.
Quais foram os maiores desafios encontrados durante o desenvolvimento da ferramenta?
Em termos gerais, o uso de IA ainda se inicia por todo o planeta, e é terreno que seguirá em desenvolvimento fértil por bastante tempo. Não há notícias de uso no Ocidente de ferramenta com escopo equivalente ao Galileu, que une funcionalidades generativas e de pesquisa automatizada em banco de dados completo e seguro. Todo esse ineditismo deixa o desenvolvimento mais difícil e desafiador. Particularmente, a característica de ampla cumulação objetiva das demandas trabalhistas levou a um grande desafio na identificação de tópicos dos processos. Cada petição tem sua forma de organização e apresentação de fatos e fundamentos, e foi preciso criar fórmulas de identificações mais amplas.
Quais benefícios o TRT-RS espera alcançar com o uso do sistema Galileu?
Espera-se reduzir tarefas burocráticas, como sumarizações e a passagem por circuitos repetitivos de pesquisas manuais para avaliação dos subsídios de fundamentação. Ao conseguirmos abreviar essas fases, sem perda de qualidade, podemos deixar mais tempo e disposição para as etapas mais intelectualizadas da produção de sentenças, especialmente para reflexões e análises probatórias.
Quais são as próximas evoluções ou atualizações previstas para o sistema?
No momento, estamos focados na validação do produto, ampliando testes para logo termos condições de disponibilizar a todas as juízas e juízes de primeiro grau. Mas logo projetamos a ampliação do escopo, criando versão que permita auxiliar na produção de acórdãos. Em paralelo, seguimos atentos a todo o dinamismo que envolve o uso de inteligências artificiais. Novas funcionalidades e aperfeiçoamentos estão sempre em avaliação.
Acordo de Cooperação com o STF
Qual é a importância do acordo de cooperação técnica firmado entre o STF e o TRT-RS?
O compartilhamento de informações e recursos são condições essenciais para qualquer desenvolvimento tecnológico. Ainda mais quando se trata de algo tão disruptivo como a IA. A colaboração com o Supremo parte dessa visão e busca otimizar esforços para que possamos criar ambiente de testes em tecnologia que poderá bem servir ao Judiciário Brasileiro. É possível que, a partir desse campo de experimentação, diversas outras funcionalidades poderão ser desenvolvidas, por diversos tribunais, e com segurança para todos.
Como será realizado o compartilhamento do código-fonte do sistema Galileu entre os dois tribunais?
O código-fonte já foi compartilhado e fizemos reuniões técnicas para esclarecimentos. A cada atualização no Galileu, o STF será informado. Também o TRT4 deve receber relatos sobre as experiências análogas por parte do Supremo.
Quais adaptações o STF pretende fazer para utilizar o Galileu em sua estrutura?
O STF poderá adaptar a tecnologia empregada no Galileu para atender à sua realidade processual específica.
O acordo envolve algum tipo de transferência financeira entre os tribunais?
Não, o acordo não envolve qualquer transferência financeira. Os trabalhos são desenvolvidos com recursos próprios.
Ética e Controle
Como o TRT-RS garante o controle ético e jurídico no uso da inteligência artificial no sistema Galileu?
O sistema não utiliza dados pessoais, e o magistrado tem total controle sobre a aplicação dos subsídios. Também observamos todas as orientações da Resolução 332 de 2020, do CNJ. Ou seja, as funcionalidades se submetem aos direitos fundamentais, fundam-se na segurança jurídica e igualdade de tratamento. E, acima de tudo, todas as etapas e recursos do Galileu garantem ampla revisão humana.
De que maneira o TRT-RS assegura que o sistema siga as diretrizes de linguagem simples e facilite a inteligibilidade das decisões judiciais?
O Conselho Nacional de Justiça, o Supremo Tribunal Federal e todos os demais tribunais brasileiros, incluindo o TRT4, têm um firme compromisso com a linguagem simples. Isso não significa vulgarizar a comunicação jurídica, mas permitir que as decisões sejam efetivamente acessíveis aos jurisdicionados. O Galileu segue essa orientação e está programado para produzir textos simples e de fácil compreensão, com frases curtas, objetivas e com termos acessíveis para a população em geral.
Futuro do Galileu e Expansão
Existe a intenção de expandir o uso do Galileu para outros tribunais além do STF? Quais seriam os benefícios disso?
Sim. Embora a ferramenta tenha sido criada e pensada originalmente para a Justiça do Trabalho de 1º Grau, pode ser facilmente adaptada para os demais ramos do Judiciário e outros graus de jurisdição. Ela já foi apresentada para o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) para potencial expansão.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Eduardo Matos, 15.10.2024
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