No mesmo dia do insulto, colégio informou ao docente que seu contrato de experiência não seria renovado
A 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis condenou uma escola particular de Florianópolis a pagar uma indenização de R$ 40 mil a um professor de arte vítima de tratamento discriminatório em razão de sua orientação sexual. Na sentença, a juíza Danielle Bertachini destacou que a instituição não agiu adequadamente diante das ofensas homofóbicas sofridas por ele em sala de aula, configurando o dano moral.
O caso teve início em 2023, quando, em determinada manhã, o professor estava ministrando aulas para turmas do ensino médio e começou a receber solicitações de amizade no Instagram. Ao perceber que os pedidos vinham de alunos da escola – e considerando que seu perfil na rede social era pessoal –, ele optou por recusá-los.
O dia de trabalho seguiu. Entretanto, ao longo de uma das aulas, o docente percebeu que a turma estava silenciosa, algo pouco comum. Foi quando, ao se aproximar de sua mesa, encontrou diversos bilhetes contendo termos de cunho homofóbico, com tipo de papel e escrita que remetiam a bilhetes utilizados em uma performance artística publicada no YouTube pelo professor. No vídeo, o autor elenca em pequenos papéis os insultos comumente dirigidos a pessoas LGBTQIA+. Ao final, bate os papéis com água em um liquidificador e bebe o produto, encenando uma crítica à homofobia presente na sociedade.
Dispensa
Apesar do abalo, o professor continuou a aula. Seu intuito, conforme relatado no processo, era recolher os bilhetes e, posteriormente, mostrá-los à coordenação da escola, aproveitando o momento para despertar nos alunos o debate acerca da importância do respeito e combate a atitudes discriminatórias.
Entretanto, no mesmo dia, além de perceber “olhares de deboche nos corredores”, o professor foi chamado por uma funcionária ao setor de Recursos Humanos. Lá, recebeu a notícia de que seu contrato de experiência não seria renovado.
Mesmo após questionar o motivo, o professor não obteve explicações claras. O fato lhe chamou a atenção, pois dias antes havia recebido elogios da coordenadora da escola por meio de mensagem.
Ação
Passado o episódio, o profissional ingressou com uma ação na Justiça do Trabalho solicitando indenização por danos morais, alegando que o colégio não tomou medidas adequadas diante das ofensas homofóbicas. Também argumentou que a decisão de não renovar seu contrato ocorreu em razão da repercussão, especialmente entre pais e alunos, do trabalho artístico publicado no YouTube.
Já a instituição, em sua defesa, argumentou que a dispensa do professor ocorreu no exercício do “direito potestativo” do empregador de não renovar o contrato de experiência. Alegou ainda que a decisão foi baseada em relatos sobre a “inabilidade do docente” para lidar com conflitos com os alunos do ensino médio – que em tese seriam “mais questionadores” –, e não por qualquer motivo discriminatório.
A ré também argumentou que possui outros professores homossexuais no quadro de docentes, o que seria incompatível com a postura da qual estava sendo acusada.
Tratamento discriminatório
Ao analisar o caso na 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis, a juíza Danielle Bertachini acolheu o pedido do autor para indenização por danos morais.
Na sentença, a magistrada observou que a escola não apresentou justificativas plausíveis para não renovar o contrato do docente, especialmente por não ter oferecido feedbacks ou chances de melhoria quanto à suposta “inabilidade” com os alunos.
Para fixar a condenação em R$ 40 mil, a juíza também fundamentou que a escola não tomou medidas adequadas diante das ofensas sofridas pelo professor em sala de aula. Além disso, ressaltou que o fato de a instituição não discriminar na contratação de professores homossexuais não a isenta da responsabilidade de coibir atitudes reprováveis de alunos e pais.
“Tratou-se, pois, de conduta ilícita cometida no ambiente escolar, ainda que de forma omissiva e culposa pela reclamada, a qual merece ser reprimida porquanto tratou-se de ato discriminatório nos termos do art. 3º, IV, da Constituição Federal, o que fere o princípio da igualdade previsto no art. 5º também da Carta Maior”, ressaltou Bertachini.
A escola recorreu da condenação para o TRT-SC.
Protocolos para julgamento
Em agosto deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) lançaram os protocolos para julgamentos sem discriminação, documentos que orientam a magistratura sobre como considerar diversidade, inclusão e trabalho escravo e infantil em suas decisões. As orientações propõem um olhar sem vieses ou preconceitos e com observação aos processos históricos e culturais de desigualdade. Além disso, há diretrizes para servidores e servidoras e recomendações para advogados e advogadas.
Foram lançados três protocolos: Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e da Adolescência, Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo e o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva aborda as questões de gênero e sexualidade, raça e etnia e pessoa com deficiência e idosa.
Processo: 0000601-31.2023.5.12.0037
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 12ª Região Santa Catarina, por Carlos Nogueira, 19.09.2024
Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.