Uma professora universitária que sofreu redução de carga horária, esvaziamento de atividades e foi dispensada após ajuizar ação trabalhista deve ser indenizada em R$ 100 mil por danos morais. A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que seguiu o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero.
Conforme o processo, a universidade considerou que o ajuizamento da ação foi um pedido de demissão, e assim rescindiu o contrato da professora nessa modalidade, que não dá direito ao saque do FGTS com acréscimo de 40% e ao seguro-desemprego.
Pela decisão da 6ª Turma, a professora obteve direito à rescisão indireta por justa causa do empregador – que ocorre quando o profissional solicita a extinção do contrato diante de situações em que se sinta lesado ou humilhado pela empregadora. Nesse caso, tem direito às mesmas parcelas rescisórias pagas em despedidas sem justa causa.
O caso
A professora ingressou com a ação trabalhista relatando que foi contratada em 2002, tendo recebido promoção em 2004 para o cargo de “professora em regime especial de dedicação exclusiva”, com carga horária de 40 horas semanais.
Ela disse que, em 2017, foi comunicada pela coordenadora do curso que teria que solicitar a conversão do regime de dedicação exclusiva para a condição de horista. Sustenta que foi coagida a assinar um documento para esta mudança. Com isso, teve redução de 90 horas aulas mensais, refletindo diretamente no salário. Também informou que teve seu contrato rescindido após ajuizar ação trabalhista.
Além disso, com a perda do cargo de regime especial de dedicação exclusiva, ela viu suas atividades sendo esvaziadas, tendo que deixar um cargo de coordenação, outro de liderança e ainda não pôde mais continuar realizando projetos de pesquisa. Sustentou que houve desrespeito à dignidade humana como mulher, negra, de origem pobre e idosa.
Em sua defesa, a universidade argumentou que houve redução salarial porque a professora teve redução das suas atividades de forma consentida, devido à alteração contratual assinada pela trabalhadora. Quanto à extinção do contrato, a instituição entendeu o ajuizamento da ação trabalhista como um pedido de demissão, se opondo ao pedido de rescisão indireta.
No primeiro grau, o juízo da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre considerou nula a alteração contratual, condenando a universidade ao pagamento das diferenças salariais, com reflexos em repousos semanais remunerados, 13º salário, férias acrescidas de 1/3, adicional por tempo de serviço, adicional de aprimoramento acadêmico e FGTS.
O pedido de rescisão indireta feito pela professora também foi atendido. A sentença destaca que “em hipótese alguma o ajuizamento de ação equivale a pedido de demissão”. Afirma que, mesmo que na petição inicial a trabalhadora tenha afirmado que optava por não permanecer no serviço, o caso é de rescisão indireta do contrato de trabalho a ser apreciado pela Justiça e não presumido pela reclamada.
O pedido de indenização por assédio moral foi negado na primeira instância. O juízo da 26ª VT entendeu que o descumprimento das obrigações trabalhistas, causador de presumíveis transtornos de ordem financeira, não implica, por si só, abalo de ordem moral.
Trabalhadora e universidade recorreram ao TRT-4
A relatora dos recursos foi a desembargadora Beatriz Renck. Quanto ao pedido de dano moral, a magistrada entendeu que “houve coação à professora ao pedido de redução de carga horária e esvaziamento de suas atividades até que optasse pelo fim da relação de emprego, condutas que causam constrangimento e humilhação”.
No entendimento da desembargadora, a professora ficou em uma situação constrangedora para garantir a manutenção de seu vínculo de emprego com a universidade. Sustenta que a trabalhadora foi submetida a uma condição que nenhum outro professor da sua área passou.
“…a questão posta à apreciação do Juízo, notadamente em razão de comportamento imputado à reclamada, que pode ser considerado tendente a reproduzir estereótipos vinculados à orientação sexual e identidade de gênero, exige-se um julgamento com as lentes da perspectiva interseccional”, diz a magistrada em seu voto, ao citar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em março de 2023, a Resolução 492 que trata do Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Destaca, ainda, que a desconsideração de marcadores como gênero, raça e classe nas decisões judiciais tem por efeito justamente a negativa de acesso à justiça e a manutenção da estrutura de desigualdade.
“Diante deste conjunto, observo uma conduta de assédio e de esvaziamento de atividades que chegou ao cúmulo de perda de acesso ao sistema de pesquisa da universidade pela professora quando ainda tinha aluna ligada a um processo em andamento. Situações embaraçosas e que não foram direcionadas a nenhum outro professor, como acima demonstrado, e que desmerecem uma trajetória de estudos e dedicação de uma professora, mulher, negra, trabalhadora”, decidiu Beatriz, ao fixar o dano moral em R$ 100 mil.
A magistrada foi acompanhada em seu voto pelos demais desembargadores da 6ª Turma, Fernando Luiz de Moura Cassal e Simone Maria Nunes.
A rescisão indireta e a nulidade da mudança contratual foram mantidas.
A universidade recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Eduardo Matos, 19.03.2024
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