Reconhecido vínculo de emprego entre motociclista entregador e empresa que intermediava serviços com aplicativo de entregas

04 out 2023

Os julgadores da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), por unanimidade, mantiveram sentença que reconheceu o vínculo de emprego entre um motofretista e a empresa de logística que intermediava mão de obra perante um aplicativo de entregas de refeição.

Também foi mantida, por maioria de votos, a responsabilidade subsidiária da empresa de aplicativo, pelo pagamento dos direitos trabalhistas reconhecidos ao motociclista entregador. Prevaleceu o entendimento do relator, desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, que negou provimento ao recurso das empresas, para manter a decisão da 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Pelas provas produzidas, concluiu-se que a empresa de logística, responsável pela contratação do autor, atuava como verdadeira empresa interposta, que assumia o posto de empregadora dos entregadores. Segundo apurou o relator, a empresa regulava todos os aspectos da prestação de serviço, como a jornada, os turnos, os dias de trabalho, as entregas a serem realizadas, a região onde ocorreriam as entregas e a remuneração repassada.

Houve o reconhecimento da relação de emprego entre o motofretista e a empresa de logística pelo período de fevereiro/2020 a julho/2021, com salário de R$ 2,5 mil. A empregadora foi condenada a pagar ao reclamante os direitos trabalhistas, como fundo de garantia e verbas rescisórias e, ainda, a anotar a CTPS. Foi reconhecida a responsabilidade subsidiária do aplicativo de entregas de refeições, na condição de empresa tomadora e beneficiária dos serviços do entregador, nos termos da Súmula 331, item IV, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Entenda o caso

O trabalhador alegou ter sido contratado pela empresa de logística como motorista entregador. Disse que prestou serviços por cerca de um ano e meio, na condição de empregado, com subordinação, mas sem registro na CTPS, tampouco o pagamento de verbas trabalhistas e rescisórias típicas, tais como gratificação natalina, férias, aviso-prévio, entre outras.

A empresa, por sua vez, apontou que atuava como operadora logística, limitando-se a organizar o trabalho dos entregadores, como uma extensão do suporte do aplicativo de tecnologia. Sustentou que sua função era organizar os entregadores em escalas, conforme a disponibilidade dos profissionais, e oferecer-lhes orientações e apoio durante as entregas, resolvendo problemas cotidianos. Relatou que eram os próprios motofretistas que optavam por se cadastrarem, para receberem maior número de pedidos e aumentar a rentabilidade.

Mas, nas palavras do relator, a organização a que se refere a empresa “corresponde ao poder empregatício, nitidamente presente na relação em análise”.

Foram apresentadas poucas provas documentais, basicamente cópias de mensagens trocadas com o entregador por meio de aplicativo de celular. Por outro lado, a prova oral foi bastante esclarecedora sobre a presença dos pressupostos legais da relação de emprego, previstos no artigo 3º da CLT: onerosidade, não eventualidade, pessoalidade e subordinação jurídica.

Os entregadores chamados de “nuvem” e os “vinculados”

Os representantes das empresas prestaram depoimentos e esclareceram a forma de atuação de cada uma das rés. Segundo os relatos, a empresa que contratou o autor atuava como operadora logística, intermediava a relação entre o aplicativo e os entregadores, realizava a gestão dos trabalhadores, dava suporte às entregas, realizava o cadastro e até mesmo recebia os valores de entregas pagos pelo aplicativo, para depois repassá-los aos motofretistas. Inclusive, o representante da plataforma de tecnologia especificou haver dois tipos de entregadores: os chamados de “nuvem”, cuja relação com o aplicativo era direta, por meio de cadastro na plataforma, e que tinham ampla liberdade de escolher o horário de trabalho e as entregas que fariam, e os vinculados a operadores logísticos, como o reclamante. Nesse último caso, foi dito que o aplicativo só tinha contato com o operador logístico, a quem informava sobre as entregas e valores devidos, cabendo ao operador realizar o repasse aos motofretistas, tanto das entregas, quanto dos valores a eles devidos.

Testemunhas

As declarações das testemunhas também confirmaram que a empresa de logística atuava, na verdade, como empregadora do reclamante. Uma delas, ouvida a pedido do autor, relatou que empresa tinha pleno controle das entregas realizadas pelos trabalhadores. Revelou ainda que havia uma escala de turnos em que o motofretista deveria estar disponível, caso contrário, poderia sofrer bloqueio com a consequente perda de remuneração.

Outra testemunha, esta indicada pela empresa e cujo depoimento, por ter sido colhido em outro processo, foi admitido como prova emprestada, afirmou que o aplicativo somente poderia ser acessado pelo entregador durante seu turno preestabelecido pela outra empresa, o que, na avaliação do relator, também demonstra o controle da prestação de serviços realizado pela empresa intermediadora da mão de obra.

Prints de conversas

O autor apresentou “prints” de conversas realizadas por meio de aplicativo de celular, que demonstraram a existência dos turnos de trabalho preestabelecidos, assim como de cobranças de comparecimento e de cumprimento dos horários. Nesses “prints”, pôde-se constatar até mesmo a vedação à rejeição de entregas, ou seja, o trabalhador não tinha liberdade de escolher quais entregas queria realizar.

Segundo o pontuado na decisão, a prova oral e documental produzidas evidenciaram que havia entre o autor e a empresa de logística, intermediadora da mão de obra, verdadeira relação empregatícia. “Foi demonstrada a existência de subordinação entre as partes, com controle de jornadas, de rotas e de valores a serem recebidos pelos trabalhadores. Além dos demais elementos da relação empregatícia, quais sejam, onerosidade, já que o repasse dos valores era feito pela 1ª reclamada, não eventualidade, com labor em escalas todos os dias da semana, com uma folga, e pessoalidade, já que, para se ausentar, o entregador deveria avisar e poderia ser apenado, o que enseja o reconhecimento do vínculo de emprego”, concluiu o relator. O processo já foi arquivado definitivamente.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 02.10.2023

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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