Entendimento se baseou em reforma trabalhista e em recente decisão do STF.
Os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG, por unanimidade, decidiram pela legalidade da jornada superior a 8 horas diárias, cumprida por um trabalhador em turnos ininterruptos de revezamento, conforme prevista em norma coletiva. A decisão se baseou em regra que surgiu com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) e também em julgamento recente do STF no dia 2/6/2022, do qual resultou o item 1.046 de Repercussão Geral, no sentido da constitucionalidade de norma coletiva que limita ou afasta direitos trabalhistas, desde que não sejam absolutamente indisponíveis.
Com esse entendimento, expresso no voto da relatora, desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros, foi dado provimento ao recurso de uma mineradora, para modificar sentença oriunda da 1ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo e absolvê-la da condenação de pagar ao empregado as horas extras excedentes da 6ª diária e da 36ª semanal, trabalhadas em turnos ininterruptos de revezamento, bem como os reflexos.
Segundo ressaltou a relatora, a reforma trabalhista alterou substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho, em especial pela inclusão de dispositivos que privilegiam o direito pactuado mediante negociação coletiva sobre a legislação. Nesse sentido, o artigo 611-A, inciso I, da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017, o qual reconhece a prevalência dos acordos e convenções coletivas de trabalho sobre a lei, quando se trata de jornada de trabalho, desde que respeitados os limites constitucionais.
Em seu voto, a desembargadora ainda registrou que a Constituição da República expressamente permite a flexibilização da limitação da jornada no regime denominado turnos ininterruptos de revezamento pela via da negociação coletiva (inciso XIV do artigo 7º), o que afasta a condenação da empresa ao pagamento de horas extras a partir da 6ª hora trabalhada.
Entenda o caso
O autor trabalhava na área de carregamento e, a partir de abril/2017, passou a cumprir jornada em turnos alternados, das 7h às 16h48min e de 16h20min às 0h20min, com uma hora de intervalo, assim permanecendo até o término do contrato de trabalho. De acordo com a relatora, a jornada caracteriza o sistema de turnos ininterruptos de revezamento, por abranger os períodos diurno, vespertino e noturno, e estava devidamente prevista nos instrumentos coletivos.
Na decisão, foi citado o artigo 7º, XIV, da Constituição da República, que dispõe ser direito do trabalhador a jornada de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.
Também houve referência à Orientação Jurisprudencial 360 da SDI-1 do TST, que prevê o direito à jornada especial ao trabalhador que exerce suas atividades em sistema de alternância de turnos, ainda que em dois turnos de trabalho, que compreendam, no todo ou em parte, o horário diurno e o noturno, pois submetido à alternância de horário prejudicial à saúde, sendo irrelevante que a atividade da empresa se desenvolva de forma ininterrupta.
“A submissão a tal regime de trabalho importa prejuízos de ordem biológica, psicológica e social, pois a alteração é nociva à saúde, bem como à convivência social e organização de vida pessoal e familiar”, frisou a relatora.
Previsão em norma coletiva e ausência de trabalho aos sábados
Entretanto, segundo pontuou a desembargadora, em alteração a posicionamento anteriormente adotado por ela, a previsão de trabalho por mais de 8 horas diárias em turnos de revezamento, como ocorreu no caso, não implica a invalidade do instrumento normativo, mesmo porque a norma coletiva teve o objetivo de compensar a ausência de trabalho aos sábados.
“No caso dos autos, a empresa comprovou que a jornada foi pactuada regularmente pela via da negociação coletiva, sendo que os poucos minutos que extrapolavam o limite de oito horas de segunda a sexta-feira tinham por objetivo compensar a ausência de labor aos sábados”, destacou a julgadora.
Permissão constitucional – Prevalência da norma coletiva – Entendimentos jurisprudenciais superados pela reforma trabalhista
Ainda de acordo com a desembargadora, é preciso reconhecer que a Constituição da República permite o elastecimento da jornada daqueles que trabalham em turnos de revezamento sem a limitação de 8 horas diárias criada pela jurisprudência, especificamente na Súmula 423 do TST e na Súmula 38 do TRT-MG.
Além disso, esses entendimentos jurisprudenciais, segundo a relatora, estão superados por força do artigo 611-A, I, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, o qual prevê que as normas coletivas têm prevalência quando dispuserem sobre a jornada de trabalho, desde que observados os limites constitucionais, como se deu no caso, tendo em vista que a Constituição da República não impõe o limite de 8 horas diárias para a jornada em turnos ininterruptos de revezamento, quando autorizada em norma coletiva.
Para a desembargadora, não se pode dizer que a convalidação das normas coletivas deveria ser reconhecida somente a partir da entrada em vigor da Lei 13.467/2017. Isso porque a validação das normas coletivas que flexibilizam a matéria já era imposta pelo ordenamento jurídico em razão do disposto no artigo 611 da CLT, combinado com o artigo 7º, inciso XXVI e artigo 8º, inciso III, ambos da Constituição da República.
Decisão do STF – Validade das normas coletivas que limitam direitos trabalhistas que não sejam absolutamente indisponíveis
Somou-se a esses fundamentos a existência de recente julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no dia 2/6/2022, do qual resultou o Tema 1.046 de Repercussão Geral, que fixou a seguinte tese jurídica: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
“Considerando, portanto, que o autor se ativou em turno único de setembro de 2015 a 2/4/2017 e que o trabalho em turno ininterrupto de revezamento por mais de seis horas diárias, prestado a partir de 3/4/2017, encontra respaldo em norma coletiva, não se justifica o pagamento das horas extras além da 6ª diária e 36ª semanal”, concluiu a relatora. O valor depositado em juízo foi devolvido à empresa. O processo já foi arquivado definitivamente.
PJe: 0010943-87.2020.5.03.0092 (ROT)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 17.09.2023
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