Empresa é condenada por pressionar empregado a fazer acordo para rescindir contrato após acusá-lo, sem provas, de furto de mercadoria

27 jun 2023

Os julgadores da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), por unanimidade, mantiveram a sentença que condenou uma empresa a indenizar por danos morais um empregado que, depois de ser acusado, sem provas, de furto de mercadoria, foi pressionado a aceitar acordo para rescindir o contrato de trabalho. Entretanto, o valor da indenização fixado em R$ 30 mil na sentença oriunda da Vara do Trabalho de Patrocínio foi reduzido para R$ 5 mil, montante correspondente a três vezes o salário recebido pelo empregado, por arredondamento, tendo sido dado provimento parcial ao recurso da empresa nesse aspecto.

Ao atuar como relatora do recurso, a desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos apurou, pela prova testemunhal, que a empresa, do ramo de indústria e comércio de rações para animais, acusou o autor e um colega entregador pelo sumiço de 10 sacos de ração, o que, inclusive, gerou boatos entre os colegas.

Apesar da inexistência de prova de que o trabalhador tenha furtado a mercadoria, em reunião realizada no escritório dos advogados da empresa, ele foi pressionado a aceitar acordo para rescindir o contrato de trabalho, com a proposta de receber verbas rescisórias em valor menor. Na ocasião, foi dito ao empregado que eles poderiam fazer acordo “e não mexer com esse ‘trem’ de delegacia”. Esse foi o teor da conversa extraída da gravação da reunião apresentada ao juízo, a qual foi confirmada na defesa da empresa.

No áudio gravado, o procurador da empresa admitiu que o reclamante e o seu colega entregador foram acusados de terem furtado a mercadoria pela irmã do dono da empresa. Como observado pela relatora, o procurador tentou amenizar esse fato, sugerindo que “nem todas as pessoas têm esse preparo” e que, no sentimento, a gente fala mesmo.

A prova testemunhal também amparou a concessão da indenização por danos morais ao trabalhador, confirmando os fatos por ele narrados. Uma testemunha afirmou que presenciou o filho do responsável pela filial, onde a mercadoria teria desaparecido, perguntando a outros empregados da matriz se o reclamante e seu colega já tinham sido dispensados em razão do “roubo” ocorrido. Outra testemunha, que também era um empregado da empresa na época dos acontecimentos, relatou que “ouviu comentário de que o reclamante tinha sido despedido por causa de roubo de ração da empresa; que, no momento, havia oito chapas (…) e estavam todos comentando sobre o assunto”.

Segundo pontuou a relatora, os depoimentos evidenciaram que a acusação feita ao autor se espalhou mesmo entre os colegas, apesar da ausência de qualquer prova de que ele teria praticado o furto, até mesmo diante da informalidade com que o negócio era gerido. “Como muito bem salientado na sentença, ‘a empresa gere o negócio de maneira informal e não tem controle da movimentação da mercadoria. Assim, o suposto desvio de 10 sacos de ração não passa de mera conjectura, sendo perfeitamente possível que o caminhão tenha saído da fábrica sem os sacos que faltaram para a entrega’”, ponderou a julgadora.

A desembargadora ressaltou que essa informalidade ficou evidente na gravação, tendo em vista que o reclamante e seu colega afirmaram que não são emitidas notas fiscais, que nem sempre se colhe assinatura no momento da entrega e que as entregas são feitas mesmo sem a presença do cliente. Além disso, uma testemunha confirmou que não foram emitidas notas fiscais relativas à mercadoria em questão, o que, nas palavras da relatora, “só reforça a informalidade mencionada na sentença”.

No áudio das conversas, o próprio procurador da empresa reiterou que, caso confirmado o desvio, não teria como saber quem seria o responsável. Apesar disso, ele afirmou que o proprietário da empresa queria “cortar todo mundo” e sugeriu a possibilidade de se fazer um “acordo e nem mexer com esse ‘trem’ de delegacia“.

Para a julgadora, apesar da afirmação de que se tratava de um mero acordo rescisório, pelas circunstâncias apuradas, ficou nítida a tentativa de intimidação do trabalhador. As palavras utilizadas pelo procurador da empresa chamaram a atenção da relatora nas conversas gravadas. Ele afirmou que nenhum empregado é obrigado a aceitar acordo rescisório, mas o empregador, diante da recusa, poderia dizer: “Não quer o acordo? Beleza! Então vou apurar na delegacia. Pronto.”, acrescentando que o empregado tem a “opção” de não querer que os fatos sejam apurados na delegacia, querer sair da empresa “numa boa“.

No entendimento da desembargadora, a reunião não teve o objetivo de “esclarecer os fatos” “questionar seus funcionários quando houver algum tipo de problema interno”, como sustentou a empresa. “Pelo contrário, o reclamante, pessoa simples, foi chamado para uma conversa sobre suposto desvio de mercadorias, a ser realizada em um escritório de advocacia, portanto, fora da empresa, e mediada por uma pessoa que iniciou o encontro se apresentando como ‘o advogado do grupo empresarial’”, o que, por si só, é “intimidador”, destacou a relatora.

Nesse sentido, a desembargadora confirmou o entendimento adotado na decisão de primeiro grau, transcrevendo, inclusive, trecho da sentença: “A reunião foi realizada sob o pretexto de colher informações e de apurar os fatos, mas tinha a finalidade evidente de pressionar os entregadores para obter a confissão do desvio da mercadoria, ou o pedido de demissão, ou uma rescisão mais barata, por mútuo acordo”.

Culpado até prova em contrário

Na visão da relatora, a finalidade da reunião ficou estampada no áudio quando o advogado da empresa deu “o exemplo da carteira” e sugeriu que cabia ao empregado comprovar sua inocência, caso contrário, seria considerado culpado. Nesse ponto, foi destacado outro trecho da sentença: “Mais uma vez andou bem o Juízo de origem: Em determinado momento, o advogado compara o desvio dos sacos a uma situação hipotética: uma carteira com dinheiro que fica esquecida numa sala com cinco pessoas. Na visão do advogado, todos os que estavam na sala quando o dinheiro desapareceu teriam que se explicar. O sentido da comparação é claro: teriam que provar a inocência. Caso contrário, eram culpados”.

Na conclusão da relatora, acompanhada pelos demais julgadores da Turma, a conduta empresária gerou ofensa à honra e dignidade do empregado, caracterizando dano moral a ser reparado.

Valor da indenização reduzido

Por outro lado, ficou entendido que o valor da indenização arbitrado na decisão de primeiro grau (R$ 30 mil) se mostrou exacerbado. Para tanto, a relatora ponderou que não se pode perder de vista que constitui direito da empresa a apuração dos fatos, mas, da gravação da conversa, verificou-se o intuito de intimidar os empregados. “Convém ressaltar que os valores descritos no art. 223-G da CLT se referem ao teto, podendo o julgador sopesar todas as circunstâncias do caso”, registrou no voto.

Ao reduzir o valor da indenização para R$ 5 mil, a desembargadora levou em conta a breve duração do contrato de trabalho – dois meses e meio – assim como a gravidade e extensão do dano e a condição da vítima. Ponderou ainda que a simples possibilidade de que os boatos tivessem ultrapassado os limites da empresa, sem comprovação de que isso tenha se concretizado, não serve de justificativa para elevar o valor da indenização. O processo já foi arquivado definitivamente.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 27.06.2023

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

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