A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) considerou nula a despedida de um trabalhador de uma rede de supermercados obrigado a vender um eletrodoméstico cuja venda estava proibida naquele momento devido ao protocolo de prevenção da covid-19. O município encontrava-se em bandeira preta e, nesse contexto, o supermercado não poderia comercializar produtos não essenciais, mas, por determinação do superior hierárquico, o empregado acabou vendendo um aspirador de pó, justamente ao fiscal da Prefeitura. O ato ocasionou multa e fechamento do estabelecimento. Posteriormente, o trabalhador foi despedido pela conduta.
Além da reintegração ao emprego, com pagamento dos salários do período em que ficou afastado, o vendedor deve receber indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. A decisão da 3ª Turma confirma sentença do juiz Daniel de Sousa Voltan, da 1ª Vara do Trabalho de Pelotas. O processo já transitou em julgado, ou seja, não cabem mais recursos.
O vendedor atuava no supermercado desde novembro de 2018 e a despedida ocorreu em março de 2021. A bandeira preta havia sido estabelecida como parte do protocolo de distanciamento social utilizado pelo Estado para prevenção do contágio pelo novo coronavírus. A regra proibia a comercialização de produtos não alimentares, como forma de evitar aglomerações nas lojas. No entanto, como alegou ao ajuizar a ação, os vendedores do supermercado eram orientados a vender discretamente os produtos e entregá-los aos clientes no estacionamento, como forma de simular compras on-line. Quanto ao caso específico, o empregado afirmou que teve orientação do seu supervisor para a venda, realizada ao próprio fiscal da Prefeitura, que estava à paisana no momento.
Ao julgar o processo em primeira instância, o juiz considerou que a despedida foi discriminatória, porque baseada em um ato ilícito do empregador, qual seja, a comercialização forçada de um produto cuja venda estava vedada naquele momento, com posterior culpabilização do empregado pela conduta. Segundo o magistrado, o caso pode ser enquadrado nas hipóteses previstas pela Lei 9.029/95, que proíbe atos discriminatórios na admissão ou na manutenção da relação de emprego. O julgador chegou a esse entendimento com base nos depoimentos de colegas do trabalhador. “A conclusão lógica é de que o reclamante foi despedido como represália por ter feito a venda que ocasionou a interdição do estabelecimento, muito embora essa venda tenha decorrido da orientação expressamente passada aos vendedores, o que configura despedida discriminatória”, concluiu, ao determinar a reintegração e o pagamento da indenização.
Descontente, a empresa recorreu, mas os desembargadores da 3ª Turma mantiveram o julgado. Como observou o relator do caso no colegiado, desembargador Gilberto Souza dos Santos, a conduta da empregadora foi agravada, inclusive, pelo fato de que o empregado possivelmente estava com covid-19 no momento da dispensa, o que foi confirmado por teste logo em seguida. “Pondere-se também, a frieza da ré em desvincular o autor de imediato do plano de saúde sabendo que ele poderia estar acometido por alguma moléstia, o que veio a ser confirmado através do exame PCR positivo para covid”, frisou o desembargador.
O entendimento foi unânime na Turma Julgadora. Também participaram do julgamento os desembargadores Ricardo Carvalho Fraga e Clóvis Fernando Schuch Santos.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, por Juliano Machado, 17.11.2022
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