Reconhecida a dispensa sem justa causa de doméstica que assinou pedido de demissão sem compreender o conteúdo

05 abr 2022

O juiz Flânio Antônio Campos Vieira, titular da 36ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, anulou o pedido de demissão firmado por uma empregada doméstica com mais de 17 “anos de casa”. Constatou-se que, na verdade, a empregada doméstica foi dispensada sem justa causa pelo patrão após uma discussão entre eles, tendo assinado o termo de demissão sem saber de seus efeitos, já que desconhecia a modalidade de rescisão contratual à qual se referia.

Na ação que ajuizou contra os antigos empregadores, a profissional pediu a invalidação do pedido de demissão e o reconhecimento da dispensa sem justa causa, com a condenação dos patrões ao pagamento das verbas rescisórias próprias dessa modalidade de extinção do contrato de trabalho (aviso-prévio indenizado, 1/12 de 13º salário do ano de 2021, 1/12 de férias, acrescidas de 1/3 constitucional). Alegou que, por ser analfabeta e ter pouco conhecimento sobre as nomenclaturas das diferentes espécies de extinção contratual, formalizou, por escrito e sob a orientação dos ex-patrões, pedido de demissão, mas que acreditava que o contrato estava sendo rescindido em decorrência de dispensa sem justa causa e que receberia as verbas rescisórias pertinentes.

Os empregadores, em defesa, sustentaram a validade do pedido de demissão e a correção das verbas rescisórias consignadas no termo de rescisão do contrato de trabalho. Contestaram o alegado analfabetismo da doméstica e afirmaram que ela pediu demissão com a informação de que pretendia se mudar para o interior, o que impossibilitava a continuidade do contrato. Alegaram ainda que, depois de receber as verbas rescisórias, a ex-empregada entrou em contato com a ex-patroa, pedindo ajuda financeira para arcar com as despesas da mudança, motivo pelo qual os empregadores lhe pagaram, como contribuição e a título de retribuição pelo tempo de dedicação ao trabalho, a importância de R$ 2 mil, dividida em quatro depósitos de R$ 500,00.

No processo, não se questionou a existência da relação de emprego entre as partes no período de 1º de setembro de 2003 a 19 de novembro de 2020, ou seja, por mais de 17 anos, nem o exercício da função de doméstica e o salário mensal recebido, no valor de R$1.427,04, o que foi confirmado pelo termo de rescisão contratual (TRCT) apresentado pelos ex-patrões.

Para provar a tese da defesa, os ex-empregadores apresentaram conversas via aplicativo mantidas entre eles e a doméstica. Mas, na análise do magistrado, os diálogos não provaram a tese dos patrões, por não conterem qualquer afirmação da trabalhadora que evidenciasse o interesse em deixar o emprego ou a intenção de mudança de cidade. Por outro lado, houve manifestação expressa da ex-empregada no sentido de que acreditava ter sido dispensada, o que, na oportunidade, não foi negado pelos patrões.

Para o juiz, as conversas por aplicativo, apesar de apresentadas pelos ex-empregadores, serviram para provar as alegações da doméstica de que não sabia que o contrato estava sendo rescindido por sua iniciativa, vale dizer, por pedido de demissão. A ex-empregada afirmou que se sentia lesada, sem qualquer reação por parte do patrão, nem mesmo de surpresa, o que, para o julgador, é mais um indício de que ela não se demitiu.

As informações extraídas dos depoimentos também desacreditaram a tese dos reclamados, especialmente quanto ao motivo que teria levado à decisão do alegado pedido de demissão da doméstica. Segundo relatos, a saída do emprego teria ocorrido após discussão entre a doméstica e o ex-patrão, e não porque ela pretendia ir morar no interior de Minas.

A condição de “analfabeta” afirmada pela trabalhadora não se confirmou. O ex-empregador relatou que ela jamais manifestou que não sabia ler e escrever e que a solicitação de mantimentos para a casa era feita por ela, escrita em um quadro. A trabalhadora, por sua vez, disse “que sabe ler e escrever mais ou menos, mal sabendo escrever o seu nome”. Reconheceu que elaborava a lista de produtos a serem adquiridos para a casa, “mas a sua letra é muito ruim” e que “não anotava recados recebidos por telefone”.

A respeito do suposto pedido de demissão assinado pela doméstica, os ex-empregadores disseram que não ditaram a ela os termos do documento. Já a ex-empregada afirmou que compareceu na residência por solicitação da ex-empregadora para assinar o aviso e, na oportunidade, a ex-patroa pediu que ela preenchesse um papel e assinasse, dizendo-lhe que “era aquilo o que deveria escrever”. A empregada ainda declarou que “não manifestou interesse em se mudar para a casa da mãe em cidade do interior de Minas Gerais”.

No entendimento do magistrado, o conjunto da prova autoriza concluir que, de fato, a rescisão contratual se deu por iniciativa dos ex-patrões. Para o juiz, apesar de ter sido provado que a ex-empregada sabia ler e escrever, como admitido em depoimento, não é crível considerar, diante das demais circunstâncias apuradas, que ela sabia diferenciar as diversas espécies de dissolução contratual, ou mesmo as consequências de cada uma delas em relação às verbas rescisórias a serem recebidas por ocasião do acerto. “Nesse contexto, tem-se que os ex-patrões não se desincumbiram do ônus de comprovar as alegações da defesa, tal como lhes competia, ante o princípio da continuidade da relação de emprego, porquanto não produziram provas a respeito”, destacou.

Por essas razões, foi anulado o pedido de demissão e reconhecida a dissolução contratual, em virtude da dispensa da doméstica, sem justa causa e sem aviso-prévio, com a condenação dos reclamados ao pagamento das verbas rescisórias correlatas. Não houve recurso ao TRT.

PJe: 0010191-46.2021.5.03.0136

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 04.04.2022

Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso mesmo, a opinião legal de Granadeiro Guimarães Advogados.

Compartilhar
Imagem Footer Single Post